Bernd Walter Mueller
O SEGREDO DA ÁGUA – A BASE PARA UM NOVO MUNDO
Restabelecer o Ciclo Hidrológico através da Criação de Paisagens de Retenção*)
Baseado num discurso livre de Bernd Müller – Maio de 2011
Traduzido do inglês por Rui Braga e Oriza Curado
“Água, energia e nutrição são de acesso livre a toda a humanidade!”
(Dieter Duhm, Manifesto de Tamera para uma Nova Geração no Planeta Terra.)
Coloco esta citação no início do meu discurso porque quero que, frequentemente, vejam
tanto quanto possam esta imagem tão intensa de um mundo curado. Não nos podemos
conformar com esta situação em que algo que é perfeitamente possível de ser realizado
parece-nos ser uma utopia irreal. É possível viver num mundo no qual todo o ser humano
tem acesso livre à água, energia e nutrição. Ideias semelhantes foram descritas há mais de
oitenta anos atrás por Viktor Schauberger, um génio brilhante na investigação da água, um
pioneiro e um líder de opinião ao mais alto nível que, já naquele tempo, previa os problemas
globais que hoje enfrentamos e demonstrava como estes poderiam ser resolvidos. O pontochave
da solução está na relação correcta com a água. Neste sentido, gostaria de dirigir o
meu discurso para a questão da água. Água é vida. E onde há vida, há nutrição e energia.
O período de 2010 a 2020 foi declarado pela Organização das Nações Unidas como
sendo a “Década das Nações Unidas para os Desertos e o combate à Desertificação”. A
desertificação progressiva é, hoje em dia, um dos maiores problemas globais. Considera-se
árida mais de 40% da superfície terrestre do planeta. Na Europa e aqui no sul da Península
Ibérica, por exemplo, o processo de desertificação é dramático. Um terço da área de
Espanha é terreno árido. Ainda assim, a maioria das zonas áridas encontra-se nas regiões
mais pobres do nosso planeta Terra.
Actualmente, encontra-se privada no acesso à água potável de boa qualidade milhares de
milhões de pessoas. Apesar de ainda o tentarmos ignorar sabemos que, entre as causas
responsáveis, está o estilo de vida praticado nos países industrializados. Um estilo de vida
que a cada dia, a cada hora e a cada minuto, contribui para que em outras zonas do planeta
existam crianças a adoecer e a morrer devido ao consumo de água não potável, seres
humanos a lutar pelas suas últimas reservas e animais a morrer de sede.
A água, originalmente uma fonte de vida, é hoje motivo de guerras, disputas de poder,
doenças e fonte de um sofrimento incrível. Neste sentido, em 2008, o Presidente
Boliviano Evo Morales exigiu na sua proposta “Dez Mandamentos para Salvar o Planeta,
a Humanidade e a Vida”, que se tomassem medidas para lidar com esta crise global da
água e para se declarar o acesso à água como parte integrante dos direitos humanos. Estou
plenamente de acordo com esta exigência. A razão pela qual faço este discurso é para que
todas as pessoas e animais recuperem o acesso livre à água potável de boa qualidade.
Foi com este objectivo que desenvolvemos o projecto das Paisagens de Retenção e das
“universidades modelo”.
A DESERTIFICAÇÃO COMO RESULTADO DA GESTÃO INCORRECTA DE ÁGUA
Nós, seres humanos, temos conhecimento suficiente para transformar desertos e semidesertos
em paisagens repletas de vida, ricas em água e nascentes. Na maioria dos casos,
a desertificação não é um fenómeno natural, mas o resultado de uma gestão incorrecta da
água à escala mundial. Os desertos não são fruto da escassez de água das chuvas, são
antes a consequência de um tratamento incorrecto, pelo ser humano, da água.
Um exemplo: a nossa região, o Alentejo, é considerada terreno semi-árido. Ainda assim,
tem chovido intensamente nesta última semana. A quantidade de precipitação nestes
últimos dias teria sido suficiente para satisfazer todas as necessidades de consumo de água
potável e de uso doméstico de toda a população desta área. Apesar disto, a água acabou
por se escoar sem qualquer tipo de aproveitamento, tendo até um efeito destrutivo: varreu o
solo fértil, erodiu a fundação das pontes e inundou estradas, aldeias e cidades. As pessoas
estão agora ocupadas com a reparação dos estragos que lhes consome tempo e dinheiro.
Na próxima época das chuvas, o mesmo cenário irá repetir-se e ninguém consegue ter
tempo para pensar em investir em novos sistemas que proporcionem ao longo do ano o
acesso à água ao mesmo tempo que previnem inundações.
Em Portugal, o inverno é abundante em chuva e os verões são bastante secos. Há poucas
décadas atrás, o sul de Portugal apresentava-se como uma região onde até no verão as
ribeiras se mantinham, transportando água ao longo do ano inteiro. Hoje em dia, estas
apenas enchem durante a época das chuvas, permanecendo secas durante o resto
do ano. O ecossistema está em desequilíbrio. Este cenário repete-se por todo o mundo,
independentemente da região climática. Por todo o lado, vemos os efeitos destrutivos
das cheias e dos deslizamentos de terra com consequências devastadoras para os seres
humanos e para a natureza. Chamamos a isto “catástrofes naturais” quando, na verdade,
são catástrofes criadas pela intervenção dos seres humanos na natureza.
O PEQUENO CICLO HIDROLÓGICO
Como é que podemos alterar esta situação, tanto a nível local como global? O que é que
significa uma mudança de sistema em termos de gestão de água e como é que podemos
iniciar este processo? Para encontrar respostas a estas perguntas, teremos de analisar
novamente a situação que, hoje em dia, encontramos por todo o globo.
Este é o pequeno ciclo hidrológico (ou ciclo hidrológico parcial) como foi descrito por Viktor
Schauberger: a água evapora-se, forma nuvens e precipita-se. A seguir, a chuva atinge um
solo que, fruto das pastagens e da desflorestação, se encontra agora incapaz de absorver
a água. A vegetação encontra-se enfraquecida pelo consumo exagerado de pastagens
e a camada superficial do solo é levada pela chuva. O solo desprotegido aquece e, uma
vez que a sua temperatura é superior à temperatura da chuva, este perde a capacidade
de a absorver. O solo torna-se assim árduo e fechado e a água da chuva é escoada. Esta
acumula-se depois em grandes caudais que transportam rapidamente a água. Neste
processo, qualquer camada de solo superficial ou de terra fértil ainda existente é escoada
juntamente com a água, intensificando o processo de erosão.
Os cursos velozes de água enchem rapidamente os rios e as ribeiras. Com as chuvas
intensas, estes transportam grandes quantidades de solo e de outros materiais que depois não têm forma de ser depositados nas curvas do rio. A água já não se move sinuosamente
pela terra, os rios foram endireitados e as suas margens foram reforçadas. O solo
precioso, tão necessário em terra firme, sedimenta-se agora pelo rio abaixo. Os cursos
de água tornam-se assim progressivamente superficiais, abrindo brechas nas margens e,
especialmente nas cidades à beira-rio, provocam inúmeros estragos.
No pequeno ciclo hidrológico temos rios que, ao invés de transportarem água limpa de
nascente, carregam agora água poluída e enlameada. Já não existem espaços onde a água
possa repousar, amadurecer e enriquecer-se com minerais e com informação. Quando
observo todos os rostos jovens presentes nesta sala, relembro-me que são raros os jovens
europeus que ainda conhecem caudais com água limpa de nascente.
O ESGOTAMENTO DO LENÇOL FREÁTICO
A água torna-se escassa debaixo da terra porque já não tem condições para se infiltrar.
A vida no solo ressente-se devido à seca, os microrganismos retiram-se, a fertilidade da
terra diminui dramaticamente e o número de plantas e animais em condições de sobreviver
torna-se gradualmente menor. A seca e a perda de biodiversidade são os indícios mais
claros do processo de desertificação.
O lençol freático decresce a nível mundial e de forma dramática. As reservas globais de
água potável estão a diminuir. A não ser que encontremos uma forma de parar este
processo enfrentamos, nesta questão, um fenómeno actual cujas consequências conduzem
a cenários apocalípticos. A força de contra pressão outrora existente no solo desaparece
devido à queda do lençol freático. Na ausência de obstáculos, a água salgada infiltra-se
profundamente no solo e as reservas de água doce tornam-se gradualmente salgadas. O
ecossistema atinge então o ponto de viragem, uma situação praticamente irreversível. Este
processo já está em curso em diversas áreas costeiras. Aqui, na Península Ibérica, também
os furos e os poços estão a tornar-se salgados.
Mas que futuro se pode esperar para a humanidade se não existir água potável disponível?
Não podemos virar as costas e permitir que aconteça algo que pode ser prevenido. Já
existe conhecimento para solucionar este problema, agora só temos de o colocar em
prática. Nós sabemos: não é assim que o planeta Terra está destinado a ser. Não é assim
que a coexistência entre os seres humanos, os animais e o planeta está destinada a ser.
Não é assim que a vida está destinada a ser.
O GRANDE CICLO HIDROLÓGICO
Observemos de novo o cenário de equilíbrio. Este é o grande ciclo hidrológico (ou o ciclo
hidrológico completo): a chuva cai na terra e é absorvida por uma camada superficial de
solo que absorve a água como uma esponja. Não foi assim há tanto tempo que em Tamera
todo o território estava coberto por uma camada de solo fértil, atingindo até cerca de
meio metro de profundidade. Este cenário observava-se em todo o território português e
pela Europa em geral. Esta camada superficial de solo protegida do sol e amparada pelas
raízes da flora existente absorvia a chuva e dava tempo às águas para se infiltrarem mais
profundamente no terreno, enchendo as reservas da terra.
Desta forma, a zona subterrânea do corpo terrestre actuava como um órgão de reserva.
Debaixo da terra, a água descansava em diferentes profundidades, às vezes por longos
períodos de tempo. Ainda sabemos muito pouco acerca do que realmente acontece à água a essa profundidade e nessa escuridão. Sinto esta fase do ciclo hidrológico como
a parte “feminina”, ou como a face da “alma” do ciclo hidrológico. O que podemos dizer
é que nessa zona a água amadurece, mineralizando-se e absorvendo informação. Esta
capacidade de armazenar informação é uma das qualidades mais essenciais e misteriosas
da água.
A água arrefece a diferentes profundidades no corpo terrestre saturado. A água mais fria
sobe então até à superfície na forma amadurecida de água de nascente. Esta tem um
enorme poder de cura para o planeta e todos os seus habitantes. Os rios e as ribeiras
transportam esta água de nascente e, movendo-se sinuosamente de acordo com a natureza
do seu Ser, geram um efeito regenerativo no solo. Entretanto, à medida que a água flui
ao longo do seu percurso, progressivamente, vitaliza-se a si própria. Nas margens destes
cursos de água, onde a vida se revela, desenvolvem-se variados biótopos.
A água move-se contínua e constantemente no grande ciclo hidrológico. O solo actua como
um regulador, absorvendo grandes quantidades de água de uma só vez, libertando-a depois
lentamente. Desta forma, previnem-se as cheias. Ao mesmo tempo, os caudais transportam
água ao longo de todo o ano. Atinge-se o equilíbrio entre a época das chuvas no inverno
e a época seca no verão. Isto aplica-se a todas as regiões climáticas. Este grande ciclo
hidrológico no qual o corpo terrestre cumpre novamente o seu papel cria estabilidade e
equilíbrio em qualquer lugar.
REABILITAR A NATUREZA, CRIANDO PAISAGENS DE RETENÇÃO
Hoje em dia, desapareceu da maior parte da superfície terrestre esta camada de húmus no
solo. Nesta última década, o processo de erosão progrediu de forma tão rápida e extensiva
que já se pode falar em desastre global. Por esta razão, não podemos perder tempo com a
criação de ecossistemas que só após 30 ou 40 anos começam a produzir uma fina camada
de húmus no solo. Precisamos deste efeito de esponja estabilizador mais cedo. Temos de
encontrar uma forma de proporcionar no solo esta absorção de água, mesmo na ausência
de húmus no solo, para completar o ciclo hidrológico. Foi neste sentido que desenvolvemos
o projecto da paisagem aquática.
As Paisagens de Retenção são sistemas que têm como função restaurar o grande ciclo
hidrológico através da retenção das águas pluviais. A paisagem de retenção de água
é composta por uma série de bacias interligadas de retenção dos pequenos riachos aos
grandes lagos nas quais a água das chuvas é captada por barragens construídas a partir de
materiais naturais. Estas bacias de retenção não são seladas com betão, nem com películas
artificiais. Desta forma, a água pode infiltrar-se lentamente no solo, a um ritmo constante.
O conceito de “Paisagem de Retenção” relaciona-se sempre com o tópico de reabilitação
da natureza. A construção destas paisagens de retenção de água é uma resposta activa
e eficaz ao estado actual de destruição da natureza. Em Tamera, este conhecimento
chegou até nós através de Sepp Holzer, um austríaco especialista em Permacultura com
o qual temos cooperado intensamente desde os últimos anos. Qualquer região habitada
por seres humanos é passível de incorporar Paisagens de Retenção. Estas podem e
devem ser criadas em todos os locais onde hoje encontramos ecossistemas destruídos
ou degradados, em todos os tipos de solo, em todas as regiões climáticas, em todas as
encostas e, especialmente, em zonas com pouca precipitação onde são absolutamente necessárias. Quanto menos precipitação existir num ecossistema e quanto maior for o
intervalo entre as épocas de chuva, maior urgência existe na criação de paisagens de
retenção de água. Até nas regiões tropicais, onde a chuva é abundante, as Paisagens de
aquáticas representam um passo enorme na reabilitação da natureza.
A Paisagem de Retenção substitui, de certa forma, a frágil camada de húmus no solo
que após a remoção de uma floresta é, por vezes, completamente escoada numa única
época das chuvas. Consequentemente, através da sua capacidade de absorção de
grandes quantidades de água, as Paisagens de Retenção contribuem para a prevenção
de deslizamentos de terra que, hoje em dia, têm cada vez mais a sua origem nas chuvas
intensas. Assim, contribuem também de forma directa para salvar vidas humanas.
Talvez ainda existam no planeta zonas florestais nas quais não é necessário intervir devido
à existência de húmus no solo em quantidade suficiente. Infelizmente, estes são apenas
casos isolados.
Neste momento, as Paisagens de Retenção são o impulso regenerativo que o planeta
e todos os seus habitantes necessitam. Estas podem e devem ser criadas em
todos os locais onde as pessoas recuperaram a força, a coragem e, obviamente, o
conhecimento necessário para as construir.
Neste sentido, precisamos agora de uma direcção e de um poder comum e determinado.
Para criar Paisagens de Retenção de Àgua por todo o mundo é necessária a criação
de centros especiais de educação. A estes centros de educação damos o nome de
“universidades modelo”. Nestes locais, é ensinado o funcionamento das Paisagens de
Retenção de modo teórico e prático. Desta forma, é iniciado um processo de mudança
de mentalidade que inclui, naturalmente, todos os outros aspectos da vida humana. Uma
paisagem para a retenção de águas pluviais só pode funcionar de forma sustentável
quando o indivíduo e a vida social estão reintegrados com a natureza e com as ordens mais
elevadas da criação.
Como funciona essa reintegração nos dias de hoje e que conhecimentos tecnológicos
e sociais estão nela envolvidos devem nestes modelos ser os tópicos investigados e
ensinados a todos aqueles que procuram este conhecimento.
Em última análise, este processo de mudança de mentalidade só será completado quando
deixar de existir um único ser vivo na Terra ao qual falte água, nutrição, ou compaixão
humana.
CONHECER O SER DA ÁGUA
O primeiro passo para mudar a mentalidade começa com a água em si. A bacia de retenção
de água não é apenas para ser compreendida ao nível técnico, ela pretende também
dar a uma nova geração de engenheiros a compreensão do Ser da água. As bacias de
retenção de água têm de ser construídas de forma a prevenir a estagnação e a promover a
deslocação da água de acordo com o seu Ser.
A água não é só uma substância física ou química passível de ser manipulada de acordo
com a conveniência da humanidade, ou das normas industriais. A água é um ser vivo. Nós,
enquanto civilização moderna temos de recuperar este conhecimento. Por este motivo,
a forma das bacias de retenção de água não é arbitrária. Nós observamos a água: como
é que ela se quer mover? Que forma deverão ter as margens? Que temperatura e que
diferenças de temperatura deverão existir? Será que gosta de ondulação? Todos estes
aspectos são incorporados no nosso trabalho.
Como qualquer ser vivo, a água precisa de ser livre para se mover de acordo com o seu Ser.
A água gosta de se mover sinuosamente, de se enrolar e de descrever curvas e espirais.
Desta forma, ela mantém a sua frescura e vitalidade. Através destes movimentos, purifica-se
a si própria ao mesmo tempo que abranda o seu ritmo e se infiltra no corpo terrestre.
Ao definir a forma das bacias de retenção de água existem três princípios importantes a
respeitar:
. O lado mais comprido da bacia de retenção tem de estar, se possível, alinhado com a
direcção predominante do vento. Desta forma, o vento sopra na superfície mais longa da
bacia, criando uma ondulação que oxigena a água. O oxigénio é um elemento importante
para a purificação da água. O vento e as ondas transportam partículas de detritos para
as margens onde depois estes ficam presos a plantas aquáticas e são, eventualmente,
absorvidos.
. As margens nunca são endireitadas ou reforçadas. Estas descrevem formas serpenteantes
com inclinações diferentes que proporcionam os redemoinhos e o enrolar da água. Em pelo
menos uma das partes da margem devem ser introduzidas plantas aquáticas ou plantas que
cresçam nas margens.
. Devem ser criadas tantas zonas rasas como profundas. Desta forma, surge uma
termodinâmica saudável na água devido à interacção entre as temperaturas das diferentes
zonas. As áreas da margem protegidas do sol apoiam este processo. Assim, os diversos
organismos aquáticos encontram o seu habitat correspondente.
A barragem da nossa bacia de retenção de água é construída a partir de materiais naturais,
não é usado betão, nem películas artificiais. A camada vertical isolante é constituída por
material tão fino quanto possível, idealmente argila, sendo o mesmo preferivelmente
extraído do material escavado nas zonas profundas. Esta é depois ligada com uma outra
camada de subsolo situada a alguns metros abaixo da superfície que não deixa passar a
água. A camada isolante é depois compactada e construída, camada a camada, com terra
fina e húmida. Em seguida, construímos uma pilha de ambos os lados com uma mistura de
terra, coberta de húmus ou de solo superficial que depois é usada para esculpir a paisagem
ou para plantação.
Usando este método de construção natural, as bacias de retenção de água estão coerentes
com o seu meio envolvente. Após um curto espaço de tempo, a vida aparece nas margens.
Por fim, as plantas e, especialmente, as árvores são abastecidas com a água que chega por
baixo da terra de acordo com a sua natureza. Desta forma, precisaremos cada vez menos
de irrigação artificial e, eventualmente, deixaremos completamente de depender dela.
As forças de apoio
Ao construir Paisagens de Retenção, forças da natureza em abundância estão dispostas
a apoiar. Conscientes disto, os futuros engenheiros saberão entrar em contacto com estas
forças e saberão pedir a sua cooperação. Existem milhões e milhões de microrganismos
que começam a trabalhar imediatamente uma vez que, se apercebem da existência da água
mesmo após a época das chuvas. Estes são os nossos melhores parceiros de trabalho. A
maior parte deles vive no solo, fora do nosso alcance visual. Estes seres sentem que um
processo sustentável de cura, com o qual todos beneficiam, está a ser iniciado. Poderemos
não reparar, por algum tempo, nos efeitos das suas acções, mas sabemos que eles existem
e que rapidamente iniciam o seu trabalho. Eike Braunroth, um especialista na área de cooperação com a natureza descreve de forma impressionante no seu livro Harmonie mit
den Naturwesen (“Harmonia com os seres da natureza”) o que sucede com os animais, até
agora considerados como pestes e combatidos de forma correspondente, quando estes
são redescobertos como parceiros de cooperação. Ela escreve acerca do exemplo das
lesmas, ratos, pulgões, besouros da batata e das carraças:
“A sua ocorrência abundante, a sua reprodução desenfreada, as suas intermináveis orgias
de comida no meu jardim e a sua resistência aos meus truques, abriu os meus sentidos para
uma consciência diferente da vida. Hoje, todos eles vivem uma existência livre. Mostraram-me
do que a natureza é capaz: amizade incondicional.”
No trabalho ecológico que realizamos em Tamera, é fortemente incorporado este aspecto
de cooperação. Os pássaros, por exemplo, são parceiros de trabalho imprescindíveis para o
processo de reflorestação. Certas sementes têm de passar obrigatoriamente pelo estômago
de um pássaro para poderem germinar. Reside aqui uma área fascinante do nosso trabalho
e da nossa pesquisa.
Existem também forças de apoio bastante desconhecidas para nós: Dhyani Ywahoo, uma
mestre espiritual Cherokee, ensinou-nos que os relâmpagos são um factor importante na
revitalização do solo enfraquecido, se este se encontrar suficientemente húmido. No seu
livro Voices of Our Ancestors: Cherokee Teachings from the Wisdom Fire (“Vozes dos
Nossos Antepassados: Ensinamentos Cherokee do Fogo da Sabedoria”) descreve:
“À medida que os aquíferos se esgotam, a energia dos relâmpagos não tem lugar para onde
ser chamada. A actividade dos relâmpagos é o pulsar tal como o pulsar do sistema nervoso
que anima o nosso corpo. Desta forma, à medida que os aquíferos se esgotam existe cada
vez menos energia disponível para o crescimento e para a vida. Existem também outros
efeitos mais subtis da acção dos relâmpagos.”
Sepp Holzer descobriu que os trovões são também uma força de apoio no que diz respeito
ao crescimento de diversas espécies de cogumelos comestíveis.
Com estes exemplos, vemos o entusiasmante trabalho de pesquisa que ainda temos pela
frente.
Ao estabelecer Paisagens de Retenção, a humanidade entra novamente em cooperação
com o espírito da Terra, com o espírito das plantas e dos seres humanos que vivem,
ou estão destinados a viver neste espaço. A criação destes sistemas não envolve só
conhecimentos de engenharia, envolve também a arte de entrar em contacto com os seres
vivos e o reconhecimento de que nós, seres humanos, não somos os únicos seres a habitar
o planeta. A Criação foi-nos confiada para que a saibamos percepcionar e estimar. Esta é
a tarefa original da humanidade na Terra. É aqui que todo o conhecimento alcançado no
passado pelos povos indígenas é reavivado e transferido para a vida moderna.
A PAISAGEM DE RETENÇÃO EM TAMERA
Começamos em 2007 com a construção da primeira bacia de retenção em Tamera. A
proposta partiu de Sepp Holzer que, desde há muito, nos apoiava na recuperação natural e
na reabilitação do terreno em Tamera. Até então, pensávamos que vivíamos num país seco.
Quando Sepp nos deu a conhecer a dimensão da primeira bacia de retenção planeada
surgiu a questão de quanto tempo seria preciso para encher de água um buraco tão
grande. O “Lago 1”, como é hoje conhecido, situa-se no centro do nosso terreno. A ideia
de tomar conta, por anos a fio, de um buraco poeirento e meio vazio, não nos motivara a dar o primeiro passo para a criação da Paisagem de Retenção de Àgua. Depois, para
clarificar as dúvidas, surgiu a ideia de calcular a média anual de precipitação na zona de
captação da bacia de retenção. Na nossa mente, usámos esta água para encher cubos com
um metro cúbico de capacidade, colocando-os um após o outro numa linha e esta linha
estendia-se por mais de mil quilómetros, de Tamera a Barcelona. Isto foi o suficiente para
abandonarmos a mentalidade de escassez.
Nesse mesmo ano, iniciámos a fase de construção. No primeiro inverno, a água da chuva
encheu dois terços do lago e do corpo terrestre adjacente. Após a segunda época das
chuvas, com um nível de precipitação abaixo da média, faltavam apenas uns escassos
centímetros para encher a totalidade do lago. No terceiro inverno, choveu tanto que
poderíamos ter enchido várias outras bacias de retenção. Hoje, apenas quatro anos após
o início da construção, é como se nunca tivesse existido aqui outra coisa senão uma bacia
de retenção. Várias pessoas que visitam Tamera têm dificuldade em acreditar que este não
é um lago natural. Nas margens, criámos também uma paisagem comestível e plantámos
milhares de arbustos e árvores de fruto. As lontras e outros animais selvagens começaram
a instalar-se aqui. Os pássaros também voltaram: agora temos 93 espécies diferentes de
aves em Tamera. Algumas das quais, raríssimas e apenas encontradas em zonas com água
em abundância. Já durante o primeiro ano, vimos surgir uma nascente de água que, desde
então, tem fluído continuamente.
A construção do Lago 1 foi apenas o princípio. Desde então, temos criado muitas outras
bacias de retenção. Em 2011, queremos começar a construção de uma bacia de retenção
com o triplo da capacidade do Lago 1. Este passo marcará a transição de uma paisagem
com muita água para uma Paisagem de Retenção. Desta forma, o solo poderá absorver
a totalidade da média de precipitação ocorrida no inverno. Diversas nascentes irão
ganhar forma e o lençol freático irá certamente subir ou, no mínimo, não irá descer. Uma
Paisagem de Retenção só se encontra finalizada no momento em que água da chuva
a abandonar a terra sem ter sido absorvida deixa de acontecer e em que a única água
que flui para o exterior provém de nascentes.
Esta próxima grande bacia de retenção será construída na região mais elevada do terreno.
Desta forma, a pressão da água será suficientemente alta para assegurar a irrigação
da totalidade do terreno (enquanto esta ainda for necessária), sem termos de despender
energia adicional para a bombear. Com a água desta bacia de retenção, situada nesta
região elevada, manter-se-á quase constante ao longo do ano o nível de água das restantes
bacias de retenção.
Queremos, aqui em Tamera, apresentar um modelo que demonstre como todo o Alentejo
e, eventualmente, o mundo poderiam ser. Sem água, não pode haver vida. Refazendo a
frase de forma positiva: onde existe água, existe vida. Somos cada vez mais capazes de
ver e manter a imagem que emerge diante dos nossos olhos, se nos perguntarmos a nós
próprios: como será se vivermos com água e não sem água? A visão do paraíso aproximase
de nós e, rapidamente, saímos desta mentalidade de escassez a todos os níveis! Queria
concluir com uma citação de Viktor Schauberger. Foi retirada de um texto que este escreveu
em 1934 (do livro Das Wesen des Wasser – O Ser da Água):
“Tudo tem origem na água. Deste modo, a água é o recurso natural universal comum a
todas as culturas e o fundamento de todo o desenvolvimento físico e mental. A revelação
©Copyleft: Institute for Global Peace Work (IGP)
do segredo da água trará consigo o fim de todos os excessos de cálculo ou especulação
aos quais pertencem todos os tipos de guerra, ódio, intolerância e discórdia. A extensa
investigação da água significa verdadeiramente o fim de todos os monopólios, o fim de toda
a dominação e o início de um socialismo que emerge do desenvolvimento do individualismo
na sua forma mais perfeita. Se formos bem sucedidos no desvendar do segredo da água,
compreendendo como esta pode surgir, seremos então capazes de produzir todas as
qualidades da água em qualquer lugar e, então, poderemos tornar férteis as enormes regiões
desertas; nesse momento, o valor de venda dos alimentos e da maquinaria associada à sua
produção serão tão baixos que a especulação sobre eles perderá todo o interesse.”
Peço-vos que assimilem esta visão. Peço-vos que vejam como os seres humanos estão
destinados a assumir uma posição de defesa da vida, e que vejam o papel que a criação de
modelos desempenha neste contexto. Alguém que exija de volta os seus direitos humanos
exige também de volta os direitos da água, tal como o fez Evo Morales, e entra de novo em
cooperação com a natureza e os seus seres. Quando reencontrarmos dentro de nós esta
imagem de (re) ligação com a natureza, poderemos então começar a compreender a frase:
“Água, energia e nutrição são de acesso livre a toda a humanidade!”.
É assim que a vida deveria ser.
Obrigado pela atenção.
SOBRE O AUTOR
Bernd Walter Mueller
Nascido a 1962 em Colónia, Alemanha.
Investigador da natureza, especialista na construção de Paisagens de
Retenção de Água, permacultor e radiestesista.
Membro de Tamera, um Centro de Pesquisa de Paz, em Portugal, no
qual trabalha desde 2007 em estreita cooperação com Sepp Holzer.
Hoje, Bernd Müller é o director do Departamento de Ecologia
em Tamera, e professor no Campus Global, um centro de treino
internacional para trabalhadores para a paz.
Em 1986, abandonou os seus estudos de engenharia no sistema de ensino universitário
tradicional, por não encontrar aqui as respostas que procurava.
Começou então o seu próprio negócio, abriu uma loja de produtos naturais, trabalhou em
paisagismo e mais tarde, em tratamento de árvores.
Em 1989, emigrou para Serra Nevada, Espanha, onde geriu uma quinta de produção
biológica.
Aí, encontrou a calma necessária para estudar os processos naturais, através da
observação intensiva. Descobriu assim, uma nova e mais subtil cooperação entre o Homem
e a natureza.
Hoje transfere a inspiração conquistada neste processo de educação autodidacta, para o
desenvolvimento prático de modelos ecológicos que visem a reabilitação das paisagens e a
restauração do planeta Terra.
Texto retirado do link: http://www.tamera.org/fileadmin/PDF/WasserSymposium_pt.pdf
Imagem de www.tamera.org